No dia em que perdi,

_{Por vezes, pergunto-me. Será que se me deixasse quebrar em mil estilhaços eles correriam pelo vento para se fundirem com o chão humedecido pelas lágrimas do céu flamejante?}


Chegada aqui, vejo-me esculpida em mil pedaços de madeira que retratam mãos pendidas na direcção do céu. Como árvores decadentes, mas infinitamente belas, cujos troncos enegrecidos há muito ficaram marcados pelas mãos que em mim tocaram, queimaram, esgotaram, magoaram. Estou cansada. O suor desliza pelo meu rosto e lembro-me daqueles dias tórridos de verão. Estou cansada. Mas sei, sei que a minha verdade é eterna. Por vezes, quando me vejo reflectida nas palmas das mãos, penso. Penso no dia em que perdi as palavras, quando os incêndios deflagraram e tudo levaram, tudo arrancaram. Penso, nem que por instantes, no momento em que me pediram as palavras. Uma a uma. Como folhas que caem das árvores. Nesse dia, pensei que morria. Pensei que as labaredas me consumiriam cada pedaço de pele e cada pedaço do meu olhar e cada pedaço de mim mesma, e cada pedaço da minha alma. Nesse dia, pensei que morria. Morrerei neste incêndio, neste inferno metafórico que não compreendi por completo. Mas, agora que me vejo aqui, agora que me sei aqui. Sim, agora sei. No dia em que perdi as palavras, talvez não as tenha perdido. Talvez elas ainda remanesçam em mim. E é por isso que, chegada aqui, e esculpida na madeira enegrecida que todos vêem, é por isso que, chegada aqui, continuo com os meus dedos virados para o céu, onde novas folhas despontam, onde guardo os meus tesouros eternos na direcção do céu flamejante.


E, peço;

dá-me forças para continuar a acreditar naquilo que sou.